O Sudão é hoje o espelho mais cruel de um continente que, em muitas partes, continua refém da brutalidade dos seus próprios generais. A guerra iniciada em abril de 2023 entre Abdel Fattah al-Burhan (chefe do exército) e Mohamed Hamdan Dagalo, o Hemeti (líder das Forças de Apoio Rápido), não é um conflito por ideias. É uma guerra entre dois homens pelo trono de um Estado vazio, onde o povo é o combustível da destruição.
Não é exagero: mais de 150 mil mortos, cerca de 14 milhões de deslocados, hospitais bombardeados, escolas destruídas, famílias sem pão, sem teto e sem voz. O Sudão transformou-se num campo de batalha onde os generais disputam ruínas, e o povo paga com o corpo aquilo que nunca lhe foi oferecido com dignidade: o direito de viver em paz.
Quando a promessa de democracia virou golpe militar
Depois da queda de Omar al-Bashir em 2019, o mundo saudou o “renascimento democrático” do Sudão. Mas o que houve foi um sequestro. A transição civil foi abortada por Burhan e Hemeti, que chegaram ao poder abraçados e logo depois começaram a se matar não com palavras, mas com metralhadoras e massacres. O povo, que tinha enchido as praças de esperança, foi mais uma vez traído.
A guerra que devora o povo em nome de nada
Os dados são obscenos: mais de 30 milhões de sudaneses precisam de assistência humanitária, e 25 milhões enfrentam fome extrema. Darfur, que já foi ferida por genocídios no passado, volta a ser palco de limpezas étnicas contra os Masalit, em silêncio cúmplice da comunidade internacional.
O mundo assiste, os grandes analistas escrevem relatórios, mas quem morre são os mesmos: mulheres violadas, crianças com fome, jovens sem futuro. O que os generais oferecem ao povo? Nada além de bala, ruínas e promessas mortas.
A interferência externa: ouro, armas e silêncio diplomático
A guerra no Sudão não é apenas interna. Há interesses transnacionais: o Irã fornece drones à SAF, os Emirados Árabes Unidos são acusados de apoiar a RSF, e potências globais silenciam, porque o ouro sudanês continua fluindo. Os campos de batalha escondem minas ricas e rotas estratégicas. No xadrez internacional, o povo sudanês é só um peão descartável.
A resistência esquecida: o povo sudanês que não se ajoelha
Mesmo esmagado, o povo resiste. Comunidades civis criam redes de ajuda, clínicas improvisadas, abrigos solidários. Artistas denunciam, mulheres sustentam famílias inteiras, jovens organizam alternativas fora do alcance das armas. O povo sudanês não é apenas vítima é herói silencioso de uma pátria esfacelada.
Um apelo africano: o que o Sudão nos ensina
Como jornalista africano e pan-africano, não posso calar diante de uma tragédia que não é só do Sudão é da África inteira. O que se passa em Cartum ou em Darfur tem raízes que tocam a todos nós: a militarização do poder, a fragilidade institucional, a herança colonial mal resolvida, a indiferença continental.
Quantas vezes a juventude africana terá que sangrar para que entendamos que nenhuma pátria é viável quando os generais pensam que o povo é tropa?
Conclusão: o futuro só virá com justiça e memória
O Sudão é hoje a ferida aberta da África. Não é possível falar de democracia, de desenvolvimento ou de paz enquanto dois generais decidem, com apoio externo, quem vai mandar num país que está a morrer. O povo precisa de voz, de Estado, de justiça. E acima de tudo: de memória. Porque a reconstrução não virá das armas, mas da consciência.
Citação
“Quando os generais se tornam mais poderosos que a Constituição, o povo desaparece da História ou reescreve-a com coragem.”
Sempa Sebastião
“Do silêncio nasce a luz