Silenciado em Libreville, reaparecido em Luanda: o desaparecimento diplomático de Ali Bongo levanta questões inquietantes sobre a nova geopolítica africana e os segredos entre Estados. Um silêncio que compromete.
Na madrugada de 30 de agosto de 2023, o Gabão foi abalado por um anúncio inesperado. Militares liderados pelo general Brice Clotaire Oligui Nguema, então chefe da Guarda Republicana força encarregada da proteção direta do presidente tomaram o poder, anulando os resultados eleitorais divulgados horas antes e dissolvendo todas as instituições republicanas. O grupo autodenominou-se Comitê para a Transição e Restauração das Instituições (CTRI).
O golpe foi justificado como resposta a “eleições fraudulentas” e à má gestão do Estado, chefiado desde 2009 por Ali Bongo Ondimba, herdeiro político de Omar Bongo, que governou o país durante mais de quatro décadas. Oligui Nguema, até então considerado um aliado leal do regime, assumiu o comando da transição e tornou-se o novo homem forte do país. A queda de Ali Bongo partiu de dentro da própria estrutura que o protegia.
Imediatamente após o golpe, Ali Bongo foi colocado sob prisão domiciliar. Num vídeo divulgado nas redes sociais, visivelmente abalado, ele pedia ajuda à comunidade internacional. Em 11 de outubro de 2023, sua esposa, Sylvia Bongo Valentin, foi detida, acusada de corrupção, desvio de fundos públicos e manipulação das decisões presidenciais durante os anos em que o marido se encontrava debilitado devido a um AVC sofrido em 2018.
A 4 de setembro de 2023, Brice Oligui Nguema foi investido como presidente da República do Gabão. A cerimônia contou com forte aparato militar e respaldo popular, mas Angola não enviou qualquer representante oficial. O governo angolano manteve distância institucional e optou por um silêncio diplomático estratégico, evitando qualquer posicionamento público em relação ao novo poder estabelecido.
Foi apenas em 2025, após as eleições gabonesas e a posse formal do atual presidente, que Angola oficializou a sua representação em Libreville. João Lourenço, presidente da República de Angola, não compareceu pessoalmente à cerimônia, mas enviou como representante o ministro de Estado e chefe da Casa Civil, Adão de Almeida. Este gesto foi interpretado como um sinal de normalização das relações entre Luanda e Libreville, após dois anos de cautela estratégica.
A 12 de maio de 2025, João Lourenço realizou a sua primeira visita oficial ao Gabão, agora na qualidade de presidente em exercício da União Africana. Reuniu-se com o presidente Brice Oligui Nguema e, segundo cobertura oficial, também fez uma visita de cortesia ao ex-presidente Ali Bongo Ondimba, ainda em Libreville.
Contudo, um episódio silencioso e intrigante já havia ocorrido antes: em 16 de maio de 2025, Ali Bongo foi visto a desembarcar discretamente em Luanda, Angola. A chegada foi tornada pública através de imagens divulgadas nas redes sociais da Presidência da República de Angola e transmitidas pela Televisão Pública de Angola (TPA). Nas imagens apenas duas ou três fotografias , via-se o ex-presidente gabonês num ambiente controlado, sem comitiva oficial nem declarações públicas.
Nenhuma explicação foi dada pelas autoridades angolanas sobre os motivos, a duração ou o estatuto da visita. O silêncio institucional aumentou a incerteza, principalmente porque o caso não foi abordado nem pelo Ministério das Relações Exteriores nem pela Presidência. Do lado do Gabão, também não houve um comunicado claro. Limitou-se a indicar que Ali Bongo poderia circular livremente por razões de saúde, e que o seu filho tinha autorização para visitá-lo sem mencionar Angola.
As perguntas multiplicaram-se:
- Ali Bongo foi acolhido como exilado, hóspede diplomático ou por razões médicas?
- Houve um acordo bilateral entre Libreville e Luanda?
- Por que a União Africana, sob presidência de João Lourenço, não comentou o caso?
No contexto africano atual, onde transições políticas ocorrem muitas vezes sob tensão, a comunicação institucional deve ser clara e direta. Quando dois Estados escondem informações de interesse público, abrem espaço para especulações, desinformação e desconfiança popular.
O caso Ali Bongo não é apenas um episódio político-diplomático. É um espelho das fragilidades do sistema africano de prestação de contas ao povo. Quando as decisões dos chefes de Estado se tornam segredos de Estado, o jornalismo deve intervir com fatos, clareza e responsabilidade.
Porque o silêncio, quando protege o poder, compromete a verdade.
Sempa Sebastião
Jornalista
“Do silêncio nasce a luz”