20Ago

Em muitas sociedades africanas, e de modo particular em Angola e na região central do continente, a política deixou de ser apenas um espaço de decisão coletiva e serviço ao bem comum. Transformou-se num palco de ostentação, onde os políticos são vistos como sinônimo de poder, riqueza e status social. Essa imagem, alimentada pelo desfile de carros de luxo, pelas casas sumptuosas e pelo acesso fácil a recursos, exerce um fascínio inegável sobre a juventude, que começa a acreditar que o verdadeiro futuro e a realização pessoal só podem ser alcançados através da política.

Mas essa percepção, embora compreensível, é perigosa e pode conduzir a um ciclo de frustração, desilusão e perda de criatividade. A juventude, que deveria ser motor de inovação, de transformação e de novas soluções, corre o risco de ficar aprisionada à ideia de que somente a política é fonte de sucesso.

O retrato dos políticos e a ostentação do poder

Nas ruas das grandes cidades, a imagem é clara: políticos cercados de seguranças, carros de marca  Lexus, Prado, Range Rover , festas em hotéis luxuosos e uma visibilidade social que se confunde com prestígio. Para um jovem desempregado ou em luta pela sobrevivência, esse retrato funciona como propaganda silenciosa: “se queres ser alguém, entra na política”.

Esse é um fenómeno que não ocorre apenas em Angola, mas em muitos países africanos. A ausência de uma economia produtiva forte, o peso da corrupção e a centralização das oportunidades em torno do poder político criaram uma cultura onde o político não é visto como servidor público, mas como celebridade.

A juventude diante da ilusão

Grande parte da juventude olha para esses exemplos e acredita que a política é a única escada para a ascensão social. Muitos já não se interessam em desenvolver talentos em outras áreas — ciência, tecnologia, cultura, agricultura, empreendedorismo — porque percebem que esses caminhos são longos, duros e muitas vezes sem reconhecimento.

O risco é claro: cria-se uma geração que não vê valor no esforço contínuo, mas apenas no acesso rápido ao poder. Isso fragiliza a sociedade, porque substitui a criatividade pela dependência, o trabalho pelo oportunismo, o talento pelo clientelismo.

Exemplos de juventude que resiste

Apesar dessa realidade, há jovens africanos que desafiam o sistema e mostram que é possível crescer fora da política.

Silas Kpanan’Ayoung Siakor (Libéria): ambientalista e ativista, mostrou como a defesa da floresta pode ser um campo de impacto global. Venceu o Prémio Goldman de Meio Ambiente.

Iyinoluwa Aboyeji (Nigéria): cofundador da Andela e da Flutterwave, duas startups africanas que ganharam projeção mundial. Hoje é referência em tecnologia e inovação.

Vanessa Nakate (Uganda): jovem ativista climática, fundadora do movimento Rise Up Climate, provando que a voz da juventude pode ganhar espaço internacional sem depender de cargos políticos.

Iniciativas angolanas: jovens como Eddy Tavares (na área tecnológica, desenvolvendo apps locais), ou estilistas da Moda Luanda que valorizam o tecido nacional, são exemplos de criatividade fora da política. A agricultura também tem revelado jovens empreendedores que, com pouco apoio, começam a transformar pequenas fazendas em negócios sustentáveis.

Essas trajetórias ilustram que o futuro não está limitado ao Parlamento ou às Assembleias, mas pode ser conquistado no campo, na arte, na ciência, na tecnologia ou na luta social.

Experiências comparativas em África

Outros países africanos mostram que, quando a juventude aposta em inovação, é possível transformar a sociedade sem depender da política tradicional.

Ruanda: após o genocídio, o país investiu em tecnologia e hoje é conhecido como o “Silicon Valley africano”. Jovens empreendedores lideram startups de drones, aplicativos e soluções digitais aplicadas à saúde e agricultura.

Quénia: a criação do M-Pesa, sistema de pagamentos móveis, revolucionou a economia africana e foi desenvolvida fora dos gabinetes políticos. Hoje, jovens quenianos são referência em fintech e soluções digitais.

Nigéria: além do setor do petróleo, o país se transformou num polo criativo. O cinema de Nollywood e a música nigeriana (Afrobeat) são hoje indústrias globais, lideradas por jovens que não esperaram pela política para vencer.

África do Sul: jovens na área de inovação científica e cultural, como no design e na moda, transformaram cidades como Joanesburgo e Cidade do Cabo em polos criativos.

Esses exemplos mostram que a política pode até concentrar dinheiro, mas a verdadeira riqueza social e cultural nasce do trabalho criativo e inovador dos jovens.

As consequências sociais

Quando a juventude passa a acreditar que somente a política enriquece, o país perde força criadora. Jovens que poderiam estar fundando startups, escrevendo livros, criando moda, desenvolvendo agricultura sustentável ou explorando tecnologia, acabam à espera de um cargo político ou de uma nomeação que lhes permita “entrar no sistema”.

Esse comportamento enfraquece a democracia, aumenta a frustração social e perpetua a corrupção, porque transforma a política numa espécie de mercado de oportunidades pessoais, e não num espaço de serviço ao povo.

O apelo à esperança

A juventude precisa compreender que a política, embora importante, não é o único caminho. O verdadeiro futuro de uma nação nasce da capacidade criativa dos seus filhos, da ousadia em inovar, da coragem de empreender, da disciplina em estudar, da persistência em lutar mesmo sem recompensas imediatas.

É fundamental que os jovens não percam a esperança e não se deixem seduzir apenas pelas imagens de riqueza rápida que alguns políticos apresentam. O dinheiro pode estar na política, mas a dignidade está no trabalho, no conhecimento e na inovação. O futuro não pertence a quem ostenta, mas a quem constrói.

Conclusão e opinião pessoal

Escrevo estas linhas não apenas como observador, mas como alguém que partilha da dor e das esperanças da juventude africana. Vejo jovens inteligentes, criativos e cheios de energia, mas que muitas vezes se perdem na ilusão de que a política é a única chave da vida. Não podemos aceitar isso como destino.

A política deve ser serviço e não espetáculo. Deve ser construção e não ostentação. Por isso, lanço este apelo: que a juventude se liberte do fascínio dos carros de luxo, das festas exuberantes e da riqueza fácil, e encontre em si mesma a chama de transformar este continente. O futuro de Angola e de África não será escrito apenas nos gabinetes ministeriais, mas nas salas de aula, nos laboratórios, nos ateliês, nas fazendas, nas startups, nas ideias que hoje parecem pequenas mas amanhã podem mover montanhas.

Aos jovens digo: não deixem que vos roubem o sonho de criar. Não se conformem com a ideia de que o dinheiro está apenas na política. O dinheiro passa, o poder passa, mas a criatividade e a dignidade permanecem. E é com elas que construiremos um futuro verdadeiro, livre e africano.