04Ago
Há três dias que Angola caiu a máscara do silêncio institucional.
Os táxis pararam. O povo gritou. E o Estado respondeu pelo que melhor lida quando o diálogo falha: a repressão.
Vinte e dois mortos (22). Cento e noventa e sete (197) feridos. Mais de 1.200 prisões.
Não foi apenas uma greve: foi um reflexo brutal de uma sociedade que está à beira, de um povo que não exige nada além de viver com dignidade.
Embora a televisão pública seja forçada a anunciar tais figuras, é que a verdade ultrapassou os limites do controle narrativo.
> Nunca, mesmo sob os longos anos de José Eduardo dos Santos, Angola registrou um registo tão assassino durante uma manifestação popular.
O que aconteceu vai além de todos os precedentes da violência institucional contra cidadãos desarmados.

 

Como jornalista, recuso-me a escrever este tribuno com falsa neutralidade.
Pois o que vivemos é o grito de um povo que já não sabe ser ouvido, e o silêncio de um poder que já não sabe governar além da força.
O PRESIDENTE QUE FALOU TARDE, O POVO QUE FALOU PRIMEIRO
À medida que o caos varria pelas ruas, o Presidente da República permaneceu em silêncio.
Três dias de mortes, violência, detenções – sem uma palavra.
E quando finalmente se expressou, suas palavras eram frias, tecnocráticas, vazias de emoção. O que não falta foi escuta e responsabilidade moral.
Na política, o silêncio é uma língua. E este silêncio presidencial foi visto como abandono.
As pessoas não estão reivindicando milagres – dizem ser vistas, ouvidas, compreendidas. E quando o estado espera que o sangue seque para falar, desliga-se da sua própria legitimidade.
QUANDO A JUVENTUDE SE LEVANTA – E ALGUNS FOGEM
Sim, houve atos de vandalismo.
Sim, alguns foram saqueados.
Mas na maioria foram milhares de angolanos que marcharam pacificamente, que gritavam sua dor sem armas, sem ódio e que foram espancados, presos, humilhados.

 

Está no poder distinguir os justos dos violentos. Não cabe ao povo inteiro ser punido pelos atos de alguns.
E para esta juventude corajosa mas às vezes descomplicada, digo o seguinte:
saquear não é resistir. Queimar não é reivindicar. Destruir não é construir.
A história africana está cheia de lições.
A República Democrática do Congo, entre 1990 e 1992, viu a sua capital afundar-se no caos dos saques: décadas mais tarde, Kinshasa ainda paga o preço.

 

O caso do Haiti é ainda mais flagrante: a raiva popular, mal canalizada, matou qualquer perspectiva de investimento sustentável.
Em Burkina Faso, Costa do Marfim ou noutro lugar, o mesmo padrão repete-se: quando a juventude é destruída, o futuro nacional recua.

 

> A juventude angolana deve erguer-se pela consciência, não colapsar em raiva.
Manifestar é um direito. Sabotar o seu próprio país é uma armadilha.
A OPOSIÇÃO TEM QUE LIDERAR, NÃO SE RECUPERAR.
Diante de um estado surdo, a oposição deveria ser o eco do povo.

 

Mas o que vimos, muitas vezes, são líderes que surgem depois de tragédias, que surgem na raiva, que denunciam sem construir.
A oposição não pode ser uma simples ferramenta de reação. Ela deve se tornar uma força para proposição, organização, transformação.

 

Infelizmente, nos momentos mais críticos, alguns preferem aproveitar o sofrimento.
Eles incentivam a mobilização, mas recuam sempre que a repressão cai.
E quem paga não são os filhos ou as famílias – jovens do bairro, vendedores de pão, taxistas, os que não têm voz.

 

> É preciso coragem para governar, mas é preciso ainda mais para encarnar uma oposição digna, ética e responsável.
A dor do povo nunca deve se tornar um trampolim político. O sangue de inocentes não pode ser uma oportunidade eleitoral.
CONCLUSÃO:
Angola chegou a um ponto de viragem.
Vinte e duas vidas tiradas — não são números, são filhos, mães, sonhos interrompidos.

 

A juventude não pode ser o escudo do poder cego nem a vítima silenciosa da oposição oportunista.
O estado não pode tratar os seus cidadãos como inimigos.
E a oposição tem de parar de esperar que os mortos falem.

 

Cada actor político, cada instituição, cada cidadão deve se perguntar: que Angola queremos amanhã?
A justiça não pode esperar mais.
O diálogo não pode ser adiado.
A memória do que aconteceu não pode ser apagada.

 

Nós governamos ouvindo.
É por consciência que protestamos.
E é respeitando os mortos que reconstruímos um país.
Angola não precisa de mais mártires.
Ele precisa de líderes com ética, uma juventude acordada e um povo que se recusa a viver de joelhos.

Fonte do Artigo: FACEBOOK Néo África