01Ago

Durante três dias, Angola deixou cair a máscara do silêncio institucional. Os táxis pararam, o povo gritou, e o Estado respondeu com o que sabe usar melhor quando a palavra lhe falta: repressão.

Vinte e duas mortes ( 22 ). Cento e noventa e sete feridos ( 197 ). Mais de 1.200 detenções.
E tudo isso num protesto que nasceu do volante, mas que rapidamente ganhou corpo como clamor de um país inteiro sufocado.
Quando a televisão pública se vê obrigada a reconhecer números tão violentos, é porque a realidade já gritou mais alto do que o controlo da narrativa.

Nem mesmo durante os longos anos do consulado de José Eduardo dos Santos, com todas as suas repressões e limitações políticas, Angola registou um número tão alto de mortes civis durante manifestações.

O que aconteceu desta vez ultrapassou todos os marcos anteriores em termos de violência institucional contra cidadãos desarmados.

Como jornalista e cidadão atento à lógica do poder, não posso escrever esta tribuna com neutralidade fingida.
O que vimos nesses três dias foi o reflexo cru de um governo que perdeu a escuta e de um povo que, cansado de esperar, decidiu agir ainda que, por vezes, de forma desordenada.

O PRESIDENTE QUE FALOU TARDE, O POVO QUE GRITOU PRIMEIRO

No auge do caos, o Presidente da República guardou silêncio.
Três dias inteiros de mortos e detenções sem uma palavra oficial.
E quando finalmente falou, o tom era frio, burocrático, cheio de chavões. Faltou empatia, sobrou cálculo.

Na política, o silêncio também é uma linguagem e o silêncio de João Lourenço nesses dias foi lido como abandono.
Em vez de escutar os gritos dos taxistas, dos jovens, dos trabalhadores exaustos, a Presidência esperou que o sangue secasse no asfalto para então formular um discurso seguro.

Esse distanciamento é perigoso. Um líder que não aparece no momento certo perde autoridade moral, mesmo que mantenha o controlo militar.

QUANDO A JUVENTUDE SE LEVANTA E ALGUNS PERDEM O RUMO

Sim, houve vandalismo.
Sim, houve saques.
Mas também houve protesto legítimo, organizado, pacífico e foi esse que o Estado esmagou com mais brutalidade.
Não podemos confundir as ações de alguns com a intenção de todos.
É função do Estado separar o justo do injusto, não esmagar tudo com o mesmo cassetete.

Mas há algo que também precisamos dizer com coragem à juventude:
pilhar não é protestar. Queimar não é resistir. Saquear não é construir.
Quando destruímos o pouco que temos, criamos o deserto que depois nos será imposto como destino.

A República Democrática do Congo já passou por isso entre 1991 e 1993.
A pilhagem generalizada destruiu Kinshasa por dentro: investidores fugiram, empresas fecharam, o desemprego disparou.
O Haiti tornou-se um símbolo mundial do que acontece quando a fúria perde direção.
E já vimos isso também no Burkina Faso e na Costa do Marfim.
O resultado é sempre o mesmo: medo, fuga de capitais, recessão profunda.

Juventude angolana, não sejamos cúmplices da nossa própria ruína.

Protestar é um direito. Destruir é perder o rumo.

OPOSIÇÃO: OPORTUNISMO NÃO É LIDERANÇA

Mas não é apenas o governo que precisa ser confrontado.
A oposição política também tem uma responsabilidade que não pode continuar a ser ignorada.

É fácil aparecer nas câmaras depois da tragédia.
É confortável emitir comunicados de solidariedade quando o povo já sangrou.
O difícil é assumir o papel de educador político, de formador de consciência, de organizador pacífico da indignação coletiva.

A oposição não pode ser apenas uma máquina de reação tem de ser um instrumento de transformação.
E, infelizmente, muitos líderes opositores preferem fazer aproveitamento político do sofrimento alheio.
Alimentam a raiva, empurram os jovens para o confronto, mas quando chega a repressão, são os pobres que pagam a fatura.

Não são os filhos dos políticos que estão na linha da frente das balas.
Não são os líderes que morrem nas ruas é o jovem da zunga, é o taxista da periferia, é a mãe que vende pão com o filho às costas.
E quando essa mãe perde o filho ou vê o seu pequeno negócio destruído, ninguém da oposição está lá para reerguê-la.

É preciso coragem para governar, mas é preciso ainda mais coragem para ser oposição com ética.

A política não é palco de manipulação da dor. O povo não é massa de manobra para vencer eleições.
A oposição precisa sair do discurso fácil e assumir o seu papel histórico com seriedade e visão.

CONCLUSÃO – UM FUTURO A SER RECONSTRUÍDO COM MATURIDADE

Este momento que vivemos não pode ser desperdiçado como mais um episódio de fúria passageira nem reduzido a estatísticas estéreis.
Vinte e duas vidas foram ceifadas, e com elas, sonhos, famílias, histórias e esperanças.

A juventude não pode continuar a ser apenas carne de canhão da frustração social.
O Estado não pode continuar a olhar o seu próprio povo como inimigo.
E a oposição precisa decidir se quer liderar uma mudança autêntica ou apenas explorar politicamente as feridas do povo.

Todos temos responsabilidades. Todos temos escolhas a fazer. E todas essas escolhas definirão que país Angola será daqui a cinco, dez ou cinquenta anos.

A justiça não pode ser adiada, o diálogo não pode ser reprimido e a memória não pode ser apagada.
O povo angolano já sacrificou demais. Agora, precisa ser ouvido, respeitado e incluído.

É com a escuta que se governa. É com a lucidez que se protesta. E é com a consciência que se vota.

Angola não precisa de mais mártires. Precisa de líderes com coragem moral, juventude com visão e instituições com alma.