02Jul

O Irão acaba de suspender formalmente a cooperação com a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), organismo das Nações Unidas responsável por garantir o uso pacífico da energia nuclear. A decisão, anunciada em Teerão no final de junho de 2025, representa mais do que uma medida técnica: é um sinal claro de ruptura estratégica com o Ocidente e uma reafirmação do seu projeto soberano, ainda que sob intensa pressão internacional.

Segundo o governo iraniano, a suspensão das inspeções decorre de “ações hostis” contra instalações nucleares no país nomeadamente ataques aéreos e ciberataques que teriam sido orquestrados por Israel, com apoio tácito dos Estados Unidos. O centro nuclear de Natanz, já visado em ocasiões anteriores, voltou ao centro das tensões. O Irão acusa a AIEA de manter silêncio cúmplice face a essas agressões, tratando o país como réu, e não como vítima.

O contexto é delicado. Desde o colapso do Acordo Nuclear de 2015 (o chamado JCPOA), após a retirada unilateral dos EUA em 2018, o Irão tem elevado gradualmente os seus níveis de enriquecimento de urânio, ultrapassando os limites estabelecidos. Relatórios da própria AIEA indicam que Teerão chegou a enriquecer urânio a 60%, patamar perigosamente próximo dos 90% exigidos para armamento nuclear. Esta evolução inquieta as potências mundiais e, sobretudo, os vizinhos do Golfo e Israel.

A suspensão da cooperação com a AIEA enfraquece os mecanismos multilaterais de controlo e fiscalização. Sem acesso direto às instalações, a comunidade internacional perde a capacidade de verificação e, com isso, cresce a desconfiança. Os Estados Unidos já classificaram o gesto como uma “escalada irresponsável”. A própria AIEA advertiu que, sem inspeções, não pode garantir a natureza exclusivamente pacífica do programa nuclear iraniano.

No entanto, por trás desta decisão, há também uma mensagem política. O Irão recusa submeter-se ao que considera um sistema internacional seletivo e hipócrita que fecha os olhos às violações de soberania quando convém, mas exige transparência total de certos países. É o grito de um Estado que se vê cercado, isolado e alvo de sabotagens reiteradas, mas que ainda busca afirmar autonomia estratégica num mundo de hegemonias assimétricas.

As implicações são graves. A tensão no Médio Oriente volta a subir. Os riscos de confrontos diretos aumentam, sobretudo com Israel, que há anos ameaça agir militarmente caso o Irão se aproxime da bomba nuclear. Além disso, o Estreito de Ormuz ponto vital para o trânsito do petróleo mundial pode tornar-se mais instável, afetando economias globais.

O que está em jogo não é apenas o destino do programa nuclear iraniano. É a fragilidade do direito internacional quando confrontado com interesses geopolíticos. É o fracasso da diplomacia multilateral diante da força. É a demonstração de que, em tempos de cinismo global, soberania e segurança se conquistam, muitas vezes, ao custo do diálogo.

Para África, esta crise deixa também lições. A primeira: nenhum país sobrevive de joelhos. A segunda: quem não domina tecnologia estratégica será sempre dependente e vulnerável. A terceira: o equilíbrio internacional não se baseia em moral, mas em poder e organização. E é precisamente por isso que a juventude africana deve observar atentamente os movimentos globais não para copiá-los, mas para compreender os caminhos possíveis da resistência e da autodeterminação.