30Jun

Enquanto milhares de famílias lutam para pôr comida na mesa, o Estado angolano autorizou o aumento das propinas escolares até 20,74 % para o ano letivo de 2025–2026. A decisão surge num momento crítico: os salários não acompanharam a inflação, o desemprego continua elevado e a juventude vive entre o abandono e a revolta silenciosa.

O que justifica esse reajuste? E, acima de tudo, a quem serve essa medida?

1. A escola como privilégio, não como direito

Em Angola, estudar transformou-se num privilégio para poucos. Os valores das propinas sobem quase todos os anos, com base em índices de inflação que não refletem a realidade da população empobrecida. O argumento é sempre o mesmo: “ajustar os custos de funcionamento das instituições”. Mas o povo pergunta: quem ajusta os salários? Quem ajusta a fome?

A educação, antes instrumento de libertação, está a tornar-se um negócio. As escolas privadas autorizadas agora a aumentar até 20,74 % não oferecem necessariamente melhor qualidade de ensino, mas cobram como se vivessem num país de classe média. E o Estado? Omite-se. Lava as mãos como Pilatos e empurra a conta para os pais.

2. Salários congelados, inflação galopante

Em janeiro de 2025, o governo anunciou um aumento salarial de 25 % para a função pública. No entanto, a inflação média nacional ultrapassou os 27 %, anulando por completo esse ganho. O salário mínimo continua irrisório, incapaz de cobrir um cesto básico. O que significa isso na prática? Significa que o trabalhador, o pai ou a mãe, fica mais pobre a cada mês mesmo quando o salário “aumenta”.

E nesse contexto, o governo decide autorizar o aumento das propinas, como se o povo vivesse em outra realidade, com outro bolso e outro país.

3. Reação estudantil e o risco de evasão

O Movimento Estudantil de Angola (MEA) denunciou o aumento e exigiu a sua suspensão imediata. Chamaram a medida de “injusta” e “insustentável” num país onde estudar já é um desafio logístico, emocional e financeiro.

Os estudantes ameaçam protestos e alertam para uma evasão escolar em massa. Jovens que estavam prestes a entrar no ensino superior já desistiram. Outros, que frequentam universidades privadas com sacrifício extremo, veem-se obrigados a abandonar cursos por falta de recursos. E aqueles que continuam, enfrentam turmas superlotadas, falta de materiais e professores desmotivados.

A pergunta é direta: como se constrói um país sem formar o seu povo?

4. O povo sacrificado

Por detrás das estatísticas, há vidas. Há famílias inteiras que vivem do comércio informal, da venda de pão, do candongueiro, da lavra e da fé. Essas famílias são agora forçadas a escolher entre comprar cadernos ou comprar comida. Entre pagar a escola ou pagar o transporte.

A classe média, já fragilizada, está a desaparecer. A juventude, frustrada, olha para o exterior como única saída. E o Estado, em vez de proteger, empurra ainda mais o povo para o abismo social.

5. O Estado e a responsabilidade ausente

O Ministério da Educação emitiu um decreto que permite o aumento, desde que não ultrapasse os 20,74 %. Mas deixa brechas: se a instituição justificar, pode cobrar mais. Isso abre espaço para abusos e privatização disfarçada do ensino. E mais: não houve consulta pública, não houve debate, nem diálogo com pais ou estudantes. Apenas uma decisão de cima para baixo como sempre.

O papel do Estado não é só autorizar é proteger. É fiscalizar. É garantir que ninguém fique fora da sala de aula por ser pobre. Mas em Angola, essa função parece esquecida.

6. O que está em jogo

O futuro do país está em risco. Uma juventude sem formação, sem oportunidades e sem esperança é uma bomba social adormecida. O aumento das propinas não é um detalhe administrativo. É um ato de exclusão institucionalizada. E mais: é um reflexo de como o sistema encara o povo como cliente, não como cidadão.

Se o ensino for mercantilizado, o país será condenado à ignorância crónica. Se o conhecimento for vendido como luxo, a democracia será uma miragem.

Citação

A educação é a base da justiça social. Quando ela se torna inacessível, a desigualdade deixa de ser um efeito passa a ser um projeto.
Sempa Sebastião