O fim do programa PEPFAR deixa milhões em risco e revela o descaso com a saúde pública africana
A África do Sul, país que carrega o maior número de pessoas vivendo com HIV/AIDS no mundo cerca de 7,7 milhões de infectados -, enfrenta uma crise alarmante. A suspensão parcial do financiamento do programa PEPFAR (Plano de Emergência dos Estados Unidos para o Alívio do HIV/AIDS) deixou clínicas sem recursos, profissionais sem contrato e milhões de vidas à mercê do abandono.
O PEPFAR, criado em 2003 pelo governo dos EUA, era até então o maior programa global de combate ao HIV, responsável por financiar mais de 1 000 clínicas comunitárias no país. Em 2023, no entanto, o apoio começou a ser reduzido. Agora, em 2025, muitos centros de tratamento foram forçados a fechar ou operar com capacidade mínima.
Quem mais sofre?
As populações mais vulneráveis foram as primeiras a sentir os efeitos da retração internacional:
Trabalhadoras do sexo, que antes recebiam preservativos, atendimento psicológico e testagens regulares, hoje estão expostas e invisíveis;
Pessoas trans perderam acesso ao tratamento hormonal combinado com o antirretroviral;
Usuários de drogas injetáveis ficaram sem os programas de troca de seringas e educação preventiva;
Jovens e mulheres grávidas deixaram de ser testadas sistematicamente, comprometendo a prevenção da transmissão vertical (mãe para filho).
A confiança pública nas instituições de saúde comunitária duramente construída ao longo de décadas foi severamente abalada.
Um silêncio global vergonhoso
O que mais preocupa analistas, médicos e ativistas sul-africanos é o silêncio internacional diante do colapso de um dos sistemas de apoio mais eficazes do continente. A decisão do governo dos EUA de “internalizar” fundos, diante de outras prioridades geopolíticas, desvela o quão descartáveis são as vidas africanas para certos interesses estrangeiros.
Segundo The Guardian, mais de 100 clínicas tiveram de suspender atendimentos regulares, forçando pacientes a percorrer longas distâncias em busca de ajuda muitas vezes sem sucesso. A interrupção do tratamento antirretroviral por apenas semanas pode levar à resistência do vírus e ao aumento da carga viral, ampliando as chances de novas transmissões.
A resposta interna e o dilema continental
O governo sul-africano tenta, com recursos limitados, manter os principais hospitais abastecidos, mas as clínicas de base comunitária justamente onde a epidemia é mais combatida seguem desamparadas. ONGs nacionais, ativistas e ex-beneficiários alertam que o progresso de 20 anos pode ser desfeito em poucos meses.
A crise também lança uma reflexão sobre a dependência estrutural da África em relação ao financiamento estrangeiro em saúde, e sobre a necessidade de criar sistemas autossustentáveis, africanos, resilientes.
Reflexão final
O corte de fundos no combate ao HIV na África do Sul não é apenas um problema orçamentário é um grito de alerta sobre o valor das vidas africanas no cenário internacional. Quando um programa salva milhões por décadas e é interrompido sem alternativas, o que se revela não é falta de dinheiro, mas falta de prioridade ética.
África precisa de aliados. Mas, acima de tudo, precisa de consciência, soberania e compromisso com a vida do seu povo.