Nos últimos dias, o espaço mediático angolano tem sido invadido por uma frase repetida quase à exaustão: “O meu patrão é o povo.” A declaração, feita pelo Presidente João Lourenço durante uma visita recente ao interior do país, tornou-se subitamente o novo lema informal da governação sendo promovido de forma intensa pela Televisão Pública de Angola (TPA).
A frase, aparentemente popular e humilde, não surgiu no início do mandato, mas sim agora, quando o segundo e último mandato presidencial aproxima-se do fim.
Diante desse contexto, impõe-se uma pergunta crucial:
Será esta uma estratégia de reconquista da confiança popular ou o anúncio indireto de uma preparação eleitoral antecipada?
A retórica tardia de um Presidente em fim de ciclo
Durante os primeiros anos da sua presidência, João Lourenço apresentou-se como o líder da “renovação” do MPLA e da luta contra a corrupção. De facto, esse foi o grande lema do seu primeiro mandato, que mobilizou esperanças, especialmente entre a juventude e as elites urbanas.
Mas ao longo do tempo, a retórica anticorrupção perdeu força e seletividade, e os casos mais emblemáticos terminaram em impunidade, lentidão judicial ou silêncio institucional.
Hoje, o país vive graves crises sociais e económicas. O desemprego cresce, o custo de vida sufoca, a confiança nas instituições públicas está fragilizada. Diante desse cenário, a reaproximação com o povo torna-se uma necessidade política, não necessariamente uma convicção ideológica.
Quando um Presidente afirma, quase no fim do seu ciclo, que “o povo é o seu patrão”, é legítimo perguntar: por que não disse isso antes? Por que não agiu como tal ao longo dos últimos anos?
A TPA como plataforma de promoção e não de jornalismo
O papel da TPA neste processo revela outro problema grave: a instrumentalização dos meios públicos de comunicação ao serviço do poder político.
A frase do Presidente foi repetida inúmeras vezes na televisão estatal, sem análise, sem contraponto, sem reflexão crítica. A sua imagem foi difundida como se estivéssemos a assistir ao lançamento de uma campanha eleitoral disfarçada, e não à prestação de contas de um mandato quase concluído.
Isso viola o princípio de pluralismo e responsabilidade da comunicação pública. O jornalismo foi substituído pela propaganda.
Um discurso, mas nenhuma política nova
Não houve qualquer anúncio concreto associado à declaração presidencial. Nenhum plano nacional de emergência social, nenhum programa novo de apoio ao cidadão comum, nenhum sinal de transformação estrutural.
A frase existe por si só.
É um slogan sem política. Uma declaração sem acção.
E o povo? Continua à espera.
Preparação eleitoral disfarçada?
Num país onde a democracia ainda luta por maturidade e onde a separação entre Estado e partido continua frágil, declarações como essa sobretudo quando amplificadas pelos meios públicos podem e devem ser interpretadas como acções políticas com fins eleitorais.
Estamos a ver o início simbólico de uma campanha?
Estará o Presidente a testar o terreno para influenciar a sucessão interna no partido?
Ou simplesmente a tentar reconquistar a simpatia popular que se esvaiu com o tempo?
Seja qual for a resposta, uma coisa é certa:
o povo angolano merece mais do que frases bem colocadas.
Merece resultados.
Merece verdade.
Merece dignidade política.
Conclusão
João Lourenço e o lema do povo: estratégia de reconquista ou preparação eleitoral?
O segundo mandato está a findar.
O discurso agora é outro.
Mas o povo, esse mesmo povo chamado de “patrão”, continua com as mesmas dificuldades de sempre.
E nós perguntamos: onde estão os resultados?