19Ago

O mundo assistiu, em poucos dias, a dois cenários que revelam muito da atual estratégia de Donald Trump: primeiro, a cimeira em Anchorage, no Alasca, com Vladimir Putin; depois, o encontro em Washington com Volodymyr Zelensky e os líderes da União Europeia. Se, por um lado, Trump quis mostrar proximidade e deferência ao presidente russo, por outro buscou afirmar-se como árbitro indispensável junto dos europeus. O fio condutor é claro: ele pretende construir uma paz sob os seus termos, transferindo custos para a Europa e preservando a imagem de “grande negociador” diante do público americano.

O encontro com Putin: símbolos mais fortes que acordos

No Alasca, Trump recebeu Vladimir Putin com honras dignas de um aliado: tapete vermelho, protocolo de Estado e até um passeio conjunto de limusina. Esses gestos, aparentemente de cortesia, foram interpretados no Ocidente como um sinal político perigoso. Moscovo celebrou o encontro como uma “vitória narrativa”, ainda que não tenha resultado em acordo formal de cessar-fogo.

O detalhe mais controverso foi a aceitação, por parte de Trump, de negociar sem trégua prévia. Para a Rússia, isso significa que o avanço militar em curso pode ser convertido em moeda de troca. Para a Europa e a Ucrânia, essa lógica fragiliza Kyiv e legitima o uso da guerra como ferramenta de pressão. Assim, o encontro, embora vazio em resultados concretos, foi rico em mensagens: Trump sinalizou disposição de dialogar nos termos de Moscovo e mostrou ao mundo que prefere o espetáculo diplomático ao compromisso estrutural.

Washington: promessas vagas e cobrança dura aos europeus

Poucos dias depois, Trump reuniu-se com Zelensky e com os principais líderes europeus  Emmanuel Macron, Friedrich Merz, Keir Starmer, Giorgia Meloni, Alexander Stubb, Ursula von der Leyen e o Secretário-Geral da OTAN, Mark Rutte.

A expectativa era de clareza sobre as garantias de segurança à Ucrânia, mas o resultado foi ambíguo: Trump prometeu “proteção”, mas sem detalhar o formato, os compromissos concretos ou a duração. Os europeus pressionaram por algo equivalente ao Artigo 5 da OTAN, ou seja, uma obrigação de defesa coletiva. Trump, porém, limitou-se a afirmar que os Estados Unidos não enviarão tropas terrestres e que a Europa deve “assumir a dianteira” e pagar mais.

Mais uma vez, o contraste foi evidente: os europeus exigem cessar-fogo antes de negociar; Trump insiste em negociar “com o motor ligado”, aceitando que a guerra prossiga enquanto se discutem concessões políticas e territoriais.

O método Trump: cálculo interno, pressão externa

A estratégia de Trump pode ser decomposta em três movimentos:

1. Vitória política interna a baixo custo
Trump quer apresentar ao eleitorado americano um acordo de paz “rápido e barato”, sem sangue norte-americano no terreno e com os europeus carregando a fatura. A recusa de enviar tropas terrestres e a cobrança pública à Europa seguem essa lógica.

2. Ambiguidade como arma de negociação
Ao não definir claramente o conteúdo das garantias, Trump deixa margem para agradar a cada lado. Para Moscovo, abre a possibilidade de concessões territoriais; para Kyiv e Bruxelas, vende a ideia de um compromisso americano. Essa ambiguidade, no entanto, gera insegurança nos aliados.

3. Pressão sobre Zelensky
Trump tem repetido que a Ucrânia precisa “fazer um acordo”, insinuando que concessões de território ou de estatuto político (como a questão da língua russa) seriam inevitáveis. Essa pressão, combinada com a postura russa, mina a posição negocial de Kyiv e empurra a Ucrânia para compromissos arriscados.

A posição europeia: convergências e fraturas

Entre os líderes europeus, há consenso sobre dois pontos:

a necessidade de garantir segurança duradoura à Ucrânia,

e a importância de manter a unidade transatlântica diante da Rússia.

Mas as diferenças são profundas:

A UE insiste no cessar-fogo como passo preliminar, para que as negociações não ocorram sob o peso das bombas.

Trump relativiza essa exigência, reforçando a lógica de Putin.

Os europeus querem garantias sólidas e detalhadas; Trump prefere manter tudo em aberto, preservando o seu espaço de manobra.

Assim, o risco é que a Europa se veja diante de um dilema: ou aceita um acordo nos moldes de Trump (e Putin), ou assume sozinha a escalada da guerra.

O que está realmente em jogo

As “garantias de segurança” discutidas oscilam entre três modelos:

Declarações políticas e sanções automáticas: pouco dissuasivas, mas de baixo custo.

Defesa aérea permanente, treino militar, fornecimento garantido de armas: mais eficaz, mas exige investimento europeu pesado.

Cláusula de defesa coletiva tipo Artigo 5: altamente dissuasiva, mas politicamente quase impossível nos Estados Unidos e divisiva na Europa.

Trump joga com essa ambiguidade. O que ele busca não é tanto a segurança da Ucrânia, mas o controle narrativo do processo. Ele quer ser lembrado como o homem que encerrou a guerra, mesmo que à custa de concessões ucranianas e de uma Europa sobrecarregada.

Conclusão

Entre o tapete vermelho em Anchorage e as promessas vagas em Washington, Donald Trump está a redesenhar a diplomacia ocidental. A sua prioridade não é a defesa incondicional da Ucrânia, mas sim a construção de uma paz negociada que sirva aos seus interesses políticos internos, reduza o peso americano e aumente o da Europa.

No curto prazo, a Ucrânia vê-se pressionada a negociar de uma posição enfraquecida; a Rússia ganha tempo e legitimidade; e a Europa enfrenta o dilema de financiar e sustentar a segurança ucraniana sem poder contar com garantias americanas claras.

O que Trump quer é simples na forma, mas arriscado no conteúdo: ser o artífice de uma paz rápida, mesmo que desigual, que preserve a sua imagem e deixe a conta para os europeus. Uma estratégia que pode render dividendos eleitorais nos Estados Unidos, mas que ameaça fragilizar a segurança europeia e a soberania ucraniana.