01Ago

A mensagem do Presidente João Lourenço, divulgada após os três dias de manifestações e greve que marcaram o país, é mais do que um simples pronunciamento: é um termômetro do momento político e social que Angola atravessa. O chefe de Estado falou em “ordem”, apelou ao “diálogo” e prometeu “medidas para responder às preocupações do povo”. Mas, ao mesmo tempo, deixou perguntas em aberto e reforçou um tom que merece ser analisado com cuidado.

1. O que o Presidente disse – e como disse

João Lourenço reconheceu as manifestações, mas enquadrou-as no campo do que chamou de “legítima expressão do cidadão”, alertando, porém, que “não se pode confundir liberdade com vandalismo”. Ao mesmo tempo em que prometeu que o Estado ouviria as preocupações, o discurso trouxe um subtexto de advertência: a ideia de que a ordem pública é um limite inegociável.

O tom, em alguns momentos, soou mais defensivo do que empático. Falou-se de “provocações”, de “manipulação de certos grupos”, mas pouco se falou diretamente do aumento dos preços, da estagnação dos salários, da angústia de milhares de famílias que vivem a pressão diária entre transporte, propinas escolares e alimentos cada vez mais caros.

2. O que o discurso não disse

A força de um discurso presidencial também está no que ele omite. Houve silêncio sobre a repressão policial em algumas cidades, sobre as detenções controversas e sobre as denúncias de violência em protestos que, em vários casos, começaram pacíficos. Essa ausência dá a impressão de que o Estado prefere minimizar os erros das forças de segurança, enquanto chama atenção apenas para os excessos dos manifestantes.

Também não houve clareza em relação a medidas concretas para aliviar a tensão social. Houve promessas genéricas de “estudos”, “comissões” e “outras políticas”, mas sem datas, sem cronograma, sem detalhes. E o povo, cansado de promessas, percebe quando o discurso fica no plano abstrato.

3. Comparação com outros contextos africanos

Não é a primeira vez que um Presidente africano enfrenta uma onda de manifestações e reage com um discurso que mistura reconhecimento e alerta. No Senegal, Macky Sall tentou acalmar tensões em 2023 falando de “ordem e diálogo” e falhou em conter os protestos. Em Moçambique, Filipe Nyusi adotou discurso semelhante em momentos de tensão, mas só conseguiu recuperar a confiança quando anunciou medidas concretas.
A lição é clara: discursos sem ações rápidas perdem impacto e podem até gerar mais frustração.

4. O impacto político

A mensagem de João Lourenço tenta reposicioná-lo como Presidente atento, mas o risco é soar distante. As manifestações dos últimos dias não foram apenas “um problema de ordem”; foram o reflexo de uma frustração acumulada. A juventude, os trabalhadores, os pequenos empreendedores que perderam dias de negócio – todos esperavam mais do que palavras de advertência.

Se o governo não apresentar respostas claras, o pronunciamento pode ser lembrado apenas como “mais um discurso” e não como um ponto de viragem. E a narrativa de um Presidente que ouve o povo corre o risco de se chocar com a percepção de um Estado que reprime, adia e promete.

Conclusão A mensagem de João Lourenço foi necessária, mas não suficiente. O Presidente acalmou uma parte da opinião pública, mas não deu respostas concretas às questões mais urgentes. O momento pede mais do que discursos; pede soluções rápidas e visíveis. E cabe agora ao governo provar que este não foi apenas um pronunciamento para ganhar tempo, mas o início de uma correção de rota.