22Mai
Quando informar se torna um risco e calar uma sobrevivência

Em vários países africanos e de tradição lusófona, o exercício do jornalismo tornou-se sinônimo de resistência. Não é mais apenas relatar os fatos. É resistir ao silêncio, driblar a intimidação, sobreviver à ameaça e ainda assim, manter a integridade da palavra.

A censura já não se anuncia com armas visíveis. Ela veste farda ou toga, manipula leis, sufoca economicamente, bloqueia frequências, limita o acesso à informação pública, e acima de tudo, tenta impor a ideia de que jornalismo crítico é desestabilizador.

Essa é a nova repressão: sofisticada, disfarçada, e legitimada por discursos que apelam à segurança nacional, ao combate à “desinformação” ou à defesa dos “valores culturais”.

Mas a pergunta continua a ecoar: Quem define o que pode ou não ser dito? Quem decide qual verdade pode ser publicada?

Censura legalizada: um novo ciclo de repressão institucional

As ferramentas da censura mudaram. Hoje, elas são:

  • Legislativas: leis ambíguas sobre segurança digital, difamação, ou fake news;
  • Judiciais: processos seletivos contra jornalistas, buscas e apreensões em redações;
  • Econômicas: retirada de publicidade estatal, multas arbitrárias, falência programada de veículos independentes;
  • Digitais: bloqueio de sites, rastreamento de fontes, restrição de conteúdos por algoritmos.

Segundo o relatório da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), publicado em 2024, mais de 140 jornalistas africanos foram presos ou processados nos últimos três anos. Países como Ruanda, Egito, Eritreia, Guiné Equatorial e Camarões figuram entre os piores no índice de liberdade de imprensa no continente.

Em Angola, por exemplo, embora a Constituição garanta a liberdade de imprensa, os jornalistas enfrentam obstáculos reais no acesso à informação, na proteção de fontes e na livre circulação de conteúdos críticos ao poder. Muitos veículos locais têm receio de publicar certas matérias por medo de retaliações diretas ou indiretas.

A lógica do medo: silenciar para controlar

O que está em jogo não é apenas a profissão jornalística. É a própria sociedade. Porque onde não há imprensa livre, há manipulação social. A censura empobrece o debate público, mina a cidadania e impede o povo de compreender os mecanismos do poder.

Silenciar o jornalista é desarmar o povo.

Os que censuram alegam preservar a estabilidade. Mas a verdadeira estabilidade nasce do confronto com a verdade não da supressão da crítica.
Uma nação que proíbe o contraditório não governa com legitimidade. Governa com medo.

Coragem como ofício: o papel do jornalista na era do controle

Apesar dos riscos, há jornalistas que continuam.
– Repórteres que cobrem manifestações mesmo sob balas de borracha.
– Editoras que não aceitam apagar uma linha da verdade.
– Jovens comunicadores que criam podcasts, rádios online, páginas anônimas, boletins em PDF, porque sabem que informar é servir.

Jornalismo não é oposição partidária.
Jornalismo não é ativismo cego.
Jornalismo é a busca sistemática da verdade pública. É compromisso com a ética, com os fatos e com o povo.

E por isso mesmo, continua a incomodar os que se beneficiam da ignorância coletiva.

Conclusão: o jornalismo como último bastião democrático

Num continente em reconstrução política e cultural, a imprensa não pode ser espectadora da história. Ela deve ser farol, arquivo, memória, confronto e consciência.

Quando o jornalista é perseguido, o que está sob ataque é o direito do povo de saber.

A informação não pode ser propriedade do Estado, nem favor de elites. Ela é um bem público. E seu controle é o primeiro passo para o autoritarismo.

Em tempos de censura institucional, informar é um ato de coragem. E escrever é não morrer calado.

Citação :

A verdade não pertence ao poder. A verdade pertence ao povo.

Sempa Sebastião