A condenação de Augustin Matata Ponyo, antigo primeiro-ministro da República Democrática do Congo (RDC), representa um dos episódios mais controversos da história política e judicial recente do país.
Acusado de desviar fundos do projeto agroindustrial de Bukanga-Lonzo, Matata foi sentenciado a 10 anos de trabalhos forçados, além de ser proibido de exercer funções públicas por mais cinco anos.
No entanto, o que está em julgamento vai além do seu nome. Para muitos, não se trata de justiça imparcial mas de um ajuste de contas político, num ambiente onde o poder judicial parece cada vez mais instrumentalizado.
Bukanga-Lonzo: um fracasso anunciado ou uma arma política?
Lançado em 2014, durante o mandato de Matata como primeiro-ministro, o projeto Bukanga-Lonzo prometia impulsionar a agricultura e reduzir a dependência alimentar da RDC.
Com um investimento público de aproximadamente 285 milhões de dólares, o projeto fracassou poucos anos depois, envolto em dívidas, abandono e denúncias de corrupção.
Segundo as investigações, cerca de 245 milhões de dólares teriam sido desviados. Matata foi responsabilizado diretamente, junto com o ex-governador do Banco Central, Deogratias Mutombo, e o empresário sul-africano Christo Grobler.
Mas os contornos do caso levantam dúvidas que vão além das cifras.
Um processo judicial com contornos políticos?
Inicialmente, o Tribunal Constitucional declarou-se incompetente para julgar Matata, que então era senador. Essa decisão foi revertida de forma súbita, reabrindo o processo com novo vigor.
Muitos viram nesse movimento uma pressão política clara sobre o Judiciário, o que compromete a credibilidade institucional.
Matata, por sua vez, afirma ter sido alvo de perseguição após recusar integrar a “União Sagrada” a coalizão governista liderada pelo presidente Félix Tshisekedi.
Sua exclusão e subsequente condenação coincidem com momentos estratégicos da oposição, o que alimenta suspeitas sobre o verdadeiro objetivo do processo.
A posição do governo: justiça ou encenação anticorrupção?
O governo atual apresenta a sentença como um símbolo do combate à corrupção sistêmica herdada da era Kabila.
Porém, observadores políticos apontam um padrão de seletividade nos alvos da justiça congolense: opositores são julgados com celeridade, enquanto aliados do regime continuam intocáveis.
Essa dualidade mina a legitimidade do discurso oficial e desacredita os esforços reais de reforma institucional.
Conclusão: o que está realmente em julgamento?
O caso Matata Ponyo não é apenas o julgamento de um ex-primeiro-ministro. É um reflexo de como a justiça e a política se entrelaçam perigosamente na RDC.
Se houver culpa, que ela seja provada com base em fatos, evidências e devido processo legal. Mas se a justiça se tornar arma política, o Estado perde sua autoridade moral.
A verdadeira justiça constrói confiança.
A justiça seletiva constrói medo e deslegitimação.
Citação :
A justiça, quando se transforma em espada política, deixa de servir ao povo e passa a servir ao medo.
Sempa Sebastião