21Mai
Introdução: a pergunta que expôs um silêncio diplomático

No dia 21 de maio de 2025, durante o encontro entre o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no Salão Oval, uma pergunta direta de uma jornalista que cobria o evento alterou o rumo da conferência. Ao ser questionado sobre o envolvimento dos Estados Unidos no conflito entre a República Democrática do Congo (RDC) e Ruanda, Trump respondeu, de forma sucinta:

Isso não tem nada a ver conosco.

A declaração teve repercussão imediata em Kinshasa, onde as autoridades congolesas vinham contando com o apoio diplomático de Washington como peça-chave na pressão sobre Ruanda e na tentativa de encontrar uma saída para o conflito que devasta o leste do país.

O peso de uma resposta: distanciamento ou estratégia?

A resposta de Trump soa contraditória ao posicionamento recente de órgãos diplomáticos e militares dos EUA. Em abril de 2025, representantes do Departamento de Estado norte-americano entregaram às autoridades de Kigali e de Kinshasa um projeto de acordo de paz, redigido sob coordenação americana, com propostas claras de cessar-fogo, retirada de tropas ruandesas e desmobilização do grupo rebelde M23.

Além disso, os EUA vêm pressionando publicamente Ruanda por meio de declarações da embaixada em Kinshasa e sanções específicas a altos oficiais ruandeses acusados de apoiar movimentos armados no Kivu. A aparente desconexão entre o discurso presidencial e a atuação institucional evidencia um desalinhamento interno ou, no mínimo, uma diplomacia seletiva.

Kinshasa entre a esperança e a frustração

Para o governo da RDC, que enfrenta uma guerra prolongada, marcada por deslocamentos forçados, violência contra civis e pilhagem de recursos, o papel dos EUA vinha sendo interpretado como um apoio estratégico de peso internacional. O presidente Félix Tshisekedi tem reiterado em fóruns multilaterais a importância da “pressão americana” sobre Kigali, mencionando até a necessidade de garantias de Washington para qualquer tratado de paz duradouro.

A frase de Trump “não temos nada a ver com isso” atinge em cheio essa narrativa. E deixa Kinshasa politicamente exposta, sobretudo em um momento em que o governo congolês busca legitimar os seus esforços militares e diplomáticos junto à comunidade internacional.

Ruanda: o silêncio que fala alto

A postura de Trump pode também ser lida como um alívio para Kigali, cujo governo tem refutado constantemente as acusações de ingerência militar na RDC. Ruanda, que historicamente tem beneficiado de apoio logístico e político dos EUA especialmente em períodos anteriores , vê nesta declaração uma oportunidade para relativizar o peso das denúncias internacionais.

Contudo, especialistas alertam: um distanciamento americano real da crise pode levar à escalada de violência no leste do Congo, dada a ausência de força dissuasora capaz de conter os avanços do M23 e outros grupos armados transfronteiriços.

Contradições da política externa americana

O episódio reacende uma velha questão: os Estados Unidos defendem princípios ou interesses?
Se, por um lado, discursos oficiais pregam a paz, os direitos humanos e o respeito à soberania, por outro, o silêncio estratégico em certas regiões africanas revela que os cálculos geopolíticos falam mais alto do que compromissos morais.

A RDC, país-chave na geoestratégia africana devido às suas imensas reservas minerais e posição central no continente, continua a ser um palco de influências concorrentes China, Rússia, França e EUA disputam, cada um à sua maneira, parcelas de influência.

Conclusão: o Congo entre o fogo cruzado e o silêncio global

O conflito entre a RDC e Ruanda é mais do que uma disputa entre vizinhos. É o espelho de um continente onde interesses externos se sobrepõem à dignidade dos povos. A resposta de Trump revela uma ferida: a instabilidade congolesa continua a ser tratada com negligência política, mesmo quando os Estados Unidos parecem nos bastidores saber da gravidade da situação.

Se Washington quer manter credibilidade no continente africano, precisará alinhar discurso e prática, compromisso e coerência. Do contrário, continuará a produzir frases que soam como abandono para quem, no terreno, ainda resiste ao peso da guerra.

A paz no Congo não será construída por declarações oportunistas, mas por compromissos claros, firmes e verdadeiros.

Sempa Sebastião