21Mai
Introdução: O ideal da unidade africana à prova do tempo

A ideia de uma África unida não é nova. Desde os tempos de Kwame Nkrumah, Julius Nyerere e Patrice Lumumba, a integração continental tem sido um sonho político, estratégico e simbólico. Contudo, passadas mais de seis décadas desde os primeiros passos da Organização da Unidade Africana (OUA), hoje União Africana (UA), a pergunta permanece: até que ponto a integração africana é uma realidade em construção ou uma promessa adiada?

Num mundo globalizado e competitivo, a integração continental deixou de ser apenas uma aspiração tornou-se uma necessidade geopolítica e econômica de sobrevivência coletiva.

A Zona de Comércio Livre Continental Africana: um marco estruturante

Lançada oficialmente em 2021, a AfCFTA (Zona de Comércio Livre Continental Africana) representa o maior projeto de integração econômica do continente desde as independências. Reunindo 54 dos 55 países africanos, o acordo visa criar um mercado único para bens, serviços e circulação de pessoas, estimulando o comércio intra-africano, reduzindo tarifas e promovendo a industrialização.

Trata-se de uma mudança de paradigma: África começa a negociar consigo mesma, reduzindo a dependência de exportações primárias para o Norte Global. Contudo, o sucesso da AfCFTA dependerá de infraestruturas de transporte, integração digital, harmonização jurídica e vontade política coerente.

Os obstáculos concretos: fronteiras coloniais, conflitos e egoísmos de Estado

Apesar dos avanços, os obstáculos à integração africana são visíveis:

– Fronteiras herdadas do colonialismo ainda criam barreiras culturais e geográficas entre povos irmãos;
– Conflitos armados e crises políticas minam a confiança entre vizinhos e dificultam o comércio e a mobilidade;
– Disparidades económicas entre países alimentam receios sobre hegemonias regionais;
– E, sobretudo, o nacionalismo defensivo de algumas elites, que veem na integração uma ameaça ao seu controlo interno.

Além disso, muitos governos africanos ainda priorizam acordos bilaterais com potências externas, em detrimento de alianças estratégicas com países africanos, o que enfraquece o bloco continental.

A força que vem da base: juventude, cultura e redes pan-africanas

Apesar das limitações institucionais, uma nova África está a emergir a partir da base: juventudes conectadas, movimentos culturais transnacionais, economia digital e mobilidade acadêmica. Artistas, pensadores e empreendedores estão a criar uma identidade africana continental, além das divisões linguísticas e fronteiras nacionais.

A nova integração pode, portanto, ser cultural, tecnológica e social, antes mesmo de se consolidar politicamente. Plataformas digitais, fintechs africanas e movimentos da diáspora já funcionam como redes unificadas, ignorando fronteiras coloniais.

Conclusão: integrar para existir no século XXI

A integração africana não é apenas um sonho de unidade é um imperativo histórico. Num mundo marcado por blocos econômicos e disputas estratégicas, África precisa falar com voz própria. E essa voz só terá força se for coletiva, solidária, sustentada em instituições fortes, justiça econômica e unidade de propósito.

Não se trata de apagar as diferenças. Trata-se de transformar a diversidade africana em força geopolítica. Porque, como já dizia Nkrumah, “África deve unir-se ou será eternamente manipulada”.

Citação :

A integração africana não se constrói com discursos solenes, mas com estradas, redes, solidariedade e vontade política partilhada.

Sempa Sebastião