Introdução: A promessa da descentralização em Angola
Desde a aprovação da Constituição de 2010, o Estado angolano assumiu o compromisso de implementar as autarquias locais como forma de descentralização do poder. Passados mais de 14 anos, as eleições autárquicas ainda não foram realizadas. Em 2025, pela primeira vez, o governo angolano inscreveu na sua agenda política a realização efetiva dessas eleições, o que reacende o debate sobre a autonomia local, a redistribuição do poder e o papel do cidadão na gestão pública.
O que são as autarquias locais?
As autarquias são unidades administrativas com personalidade jurídica, autonomia financeira e administrativa, com a missão de responder diretamente às necessidades das populações a nível local (municípios). A descentralização por via autárquica é vista como um mecanismo para:
- Reduzir o peso do Estado central;
- Aumentar a transparência na gestão pública;
- Estimular a participação cidadã;
- Tornar a governação mais próxima da realidade local.
- A morosidade legislativa e os entraves políticos
O atraso na realização das eleições autárquicas está diretamente ligado à incompletude do pacote legislativo autárquico, composto por mais de 10 leis, das quais algumas permanecem em disputa entre o MPLA, que governa, e os partidos da oposição, como a UNITA.
A proposta do gradualismo geográfico (defendida pelo MPLA), segundo o qual as autarquias deveriam ser implementadas de forma faseada, é alvo de críticas. A oposição defende o princípio da universalidade, ou seja, a realização das eleições em todos os municípios ao mesmo tempo como previsto na Constituição.
Essa divergência reflete uma luta silenciosa pelo controlo territorial e político, especialmente em zonas urbanas e economicamente sensíveis, como Luanda, Benguela e Huíla.
O papel do cidadão e os riscos da apatia política
Sem autarquias, os cidadãos angolanos continuam a depender da administração central e provincial para decisões que afetam diretamente o seu quotidiano como o saneamento, transportes, iluminação pública e mercados.
A ausência de mecanismos de responsabilização local tem alimentado o descrédito nas instituições públicas e o aumento da abstenção eleitoral.
A efetivação das autarquias poderá:
- Criar novas lideranças locais;
- Redefinir o mapa político nacional, oferecendo oportunidades a forças emergentes;
- Ampliar a escrutabilidade dos administradores.
- Referência comparativa: O exemplo de Cabo Verde e Moçambique
Países africanos de expressão portuguesa, como Cabo Verde e Moçambique, realizam eleições autárquicas há décadas. Em Cabo Verde, por exemplo, as câmaras municipais exercem um papel central no desenvolvimento local, com níveis elevados de transparência e participação cívica. Moçambique, por outro lado, tem enfrentado tensões político-eleitorais nas autarquias, o que mostra que a descentralização não resolve todos os problemas mas pode ser um caminho para fortalecer a democracia.
2025: Ano da viragem ou repetição de promessas?
Apesar do anúncio oficial, a concretização das eleições autárquicas em 2025 ainda carece de garantias sólidas, pois depende:
- Da conclusão do pacote legislativo;
- Da criação das condições técnicas e logísticas nos 164 municípios;
- Da vontade política real de ceder poder aos cidadãos.
Caso se concretizem, estas eleições poderão redefinir o relacionamento entre o Estado e a sociedade angolana.
Conclusão: mais que um voto um exercício de cidadania ativa
As eleições autárquicas de 2025 não devem ser vistas apenas como mais um pleito eleitoral. Elas representam a possibilidade de os cidadãos passarem de governados a participantes ativos da gestão pública local.
A democracia não se constrói apenas em Luanda, nos palácios ou nas assembleias. Constrói-se nas ruas dos municípios, onde o povo sente na pele a ausência do Estado.
Frase de encerramento:
A descentralização não é dar poder ao município. É devolver ao cidadão o direito de decidir o seu próprio destino.
Sempa Sebastião