21Mai
Introdução: o peso silencioso da diplomacia africana

A política externa angolana vive hoje um paradoxo: carrega o prestígio histórico de quem superou uma guerra fratricida e se apresentou ao mundo como modelo de reconciliação, mas enfrenta os limites visíveis de um continente marcado pela fragilidade institucional e pelos interesses cruzados. Angola é, há mais de uma década, um ator incontornável na mediação de conflitos regionais. Porém, o cenário atual impõe um novo ciclo de questionamentos: até que ponto um Estado pode ser mediador quando os seus próprios fundamentos de estabilidade ainda estão por consolidar-se plenamente?

Do trauma à autoridade: a diplomacia da paz construída com cicatrizes

A longa guerra civil que assolou Angola, de 1975 a 2002, deixou marcas profundas na memória coletiva e nas estruturas do Estado. No entanto, foi dessa tragédia que emergiu a autoridade moral para que Angola assumisse, perante a União Africana e outros fóruns multilaterais, o papel de mediadora. O Acordo de Luena não apenas encerrou um ciclo de violência, mas inaugurou uma trajetória de diplomacia ativa sobretudo na África Central e na região dos Grandes Lagos.

O Presidente João Lourenço, ao assumir a liderança em 2017, elevou essa vocação a um dos pilares de sua política externa. Em fóruns continentais e em articulações discretas, Angola passou a atuar como ponte entre adversários históricos.

A mediação no conflito RDC–Ruanda: entre a esperança e o impasse

O exemplo mais recente e emblemático desse protagonismo foi o papel de Angola na tentativa de mediação do conflito entre a República Democrática do Congo (RDC) e Ruanda. A escalada de tensões, motivada por acusações mútuas de ingerência e apoio a grupos rebeldes como o M23, ameaçou desestabilizar toda a região dos Grandes Lagos.

Designado pela União Africana como “Campeão da Paz e Reconciliação em África”, João Lourenço conduziu reuniões em Luanda, garantiu encontros diretos entre Félix Tshisekedi e Paul Kagame, e chegou a apresentar uma proposta de cessar-fogo monitorado. Houve avanços simbólicos comunicados conjuntos, promessas de retirada de tropas mas também retrocessos imediatos, especialmente pela desconfiança profunda entre as partes e pelas interferências externas silenciosas.

A retirada de Angola da mediação: gesto estratégico ou reconhecimento de impotência?

Em março de 2025, Angola anunciou oficialmente a sua retirada do processo de mediação entre RDC e Ruanda. A justificativa foi “o desrespeito contínuo aos compromissos assinados” e a interferência de interesses externos que minavam a eficácia do processo.

Esse gesto pode ser lido de duas formas:

  • como um ato de firmeza diplomática, que rejeita servir de cortina de fumaça para acordos sem efeito real;
  • ou como o reconhecimento amargo dos limites da mediação africana, sobretudo quando potências externas preferem manter o conflito como terreno de influência e disputa indireta.

A diplomacia africana entre o prestígio e o cinismo global

A experiência de Angola revela um dado estrutural: as mediações africanas não fracassam por falta de vontade política, mas por ausência de respaldo estratégico, recursos financeiros e compromisso internacional coerente. É neste vazio que as grandes potências impõem as suas agendas, enquanto os povos pagam o preço da instabilidade.

O caso RDC–Ruanda é exemplar. A presença de interesses ligados à exploração mineral, às rotas comerciais e à geopolítica internacional fragiliza qualquer solução regional autêntica.

Conclusão: a paz não se impõe constrói-se com coragem e memória

Angola continuará a ser chamada, por sua história e pela sua posição, a desempenhar papéis diplomáticos de relevo. Mas deve fazê-lo com realismo. A mediação não é palco de prestígio é campo de responsabilidade. E essa responsabilidade só pode ser assumida se houver coerência entre discurso e prática, tanto dentro como fora de Angola.

Que a nossa diplomacia não seja instrumento de legitimidade artificial, mas sim força transformadora enraizada na verdade, na justiça e na dignidade africana.

Frase de encerramento:

Quem conhece o preço da guerra tem o dever moral de lutar pela paz não com slogans, mas com firmeza e lucidez.

Sempa Sebastião

Tags: