14Mai

José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai (2010–2015), faleceu ontem, aos 89 anos, na mesma quinta onde viveu toda a sua filosofia de vida: simplicidade, desapego e coerência. A sua morte encerra uma página rara da história política contemporânea uma história onde o poder não corrompeu o homem, mas foi por ele transformado.

Mujica não nasceu político. Tornou-se político por convicção e combatente por escolha. Foi guerrilheiro do movimento Tupamaros, preso por quase 15 anos durante a ditadura militar no Uruguai. Sofreu torturas, isolamento e privação de quase tudo menos da sua lucidez. Quando saiu da prisão, não buscou vingança, mas reconciliação. Quando chegou à presidência, não buscou glória, mas coerência.

Durante o seu mandato, entre 2010 e 2015, Pepe Mujica levou ao governo um espírito raro na política moderna: a ética do essencial. Recusou os privilégios da função. Doou cerca de 90% do seu salário para instituições de caridade, continuou morando na sua casa simples e usando o seu velho Fusca azul. Não tinha guarda-costas, vivia como qualquer cidadão comum. Essa imagem singela, porém firme, virou símbolo de um outro modo de governar: com os pés descalços na terra e a alma conectada ao povo.

Mas não foi apenas pela sua imagem que Mujica se destacou. O seu governo foi marcado por decisões progressistas e corajosas. Foi sob a sua liderança que o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar a produção e a venda de maconha controlada pelo Estado uma medida pensada não para incentivar o consumo, mas para combater o narcotráfico e proteger os jovens. Legalizou também o casamento entre pessoas do mesmo sexo e promoveu políticas públicas que ampliaram os direitos sociais e civis, colocando o Uruguai entre os países mais avançados da América Latina.

Pepe Mujica acreditava na juventude, na justiça social, no valor do tempo e na urgência de uma política mais humana. Em seus discursos, preferia a verdade desconfortável ao populismo. Dizia: “O poder não muda as pessoas, apenas revela quem elas realmente são.” E com isso revelava a si mesmo um homem que usou o poder para servir e não para se servir.

No fim da vida, Mujica pediu para ser enterrado em sua quinta, ao lado da sua companheira de quatro patas, Manuela, sob uma grande sequoia. Foi um homem que nunca se afastou da natureza nem da sua essência. Um verdadeiro exemplo de liderança para os povos do Sul Global, especialmente para nós, africanos, que vivemos cercados de líderes que confundem autoridade com privilégio.

A sua morte não é apenas a perda de um homem, mas o fim simbólico de uma forma de fazer política com consciência e alma. Mujica nos ensinou que é possível governar com dignidade sem perder a humildade. Ele nos deixou, mas sua memória viverá como uma estrela serena no céu dos que ainda acreditam num outro mundo possível.