14Mai

Falar da corrupção em África é tocar numa ferida aberta que atravessa décadas, regimes, ideologias e fronteiras. É impossível falar de desenvolvimento sustentável, justiça social ou democracia real no continente africano sem confrontar o monstro silencioso e persistente que se chama corrupção.

A corrupção em África não é apenas um desvio moral individual. Ela se tornou uma estrutura, um sistema paralelo, muitas vezes institucionalizado, que captura o Estado, bloqueia a renovação das elites e impede qualquer forma de soberania verdadeira. Ela está presente desde a assinatura de contratos públicos até a gestão de recursos naturais, passando pelos sistemas de justiça, educação, saúde e até a imprensa. Pior ainda: em muitos contextos, a corrupção é vista como uma forma legítima de sobrevivência ou ascensão social.

Nigéria: o petróleo como maldição

A Nigéria, o maior produtor de petróleo da África, é também um dos países mais afetados pela chamada “maldição dos recursos naturais”. O petróleo, em vez de ser uma bênção para o povo, tornou-se um instrumento de enriquecimento ilícito para uma elite política e empresarial. De acordo com relatórios do próprio governo, estima-se que mais de 400 bilhões de dólares em receitas do petróleo tenham desaparecido por corrupção desde a independência do país, em 1960.

Durante o regime de Sani Abacha (1993–1998), cerca de 5 bilhões de dólares foram saqueados e depositados em contas bancárias na Suíça e em paraísos fiscais. Até hoje, parte desses fundos ainda está em processo de repatriação. A corrupção é tamanha que os nigerianos cunharam o termo “chop and quench” “comer até morrer” para descrever a lógica predatória das elites.

Angola: riqueza concentrada, povo empobrecido

Angola é outro exemplo doloroso. Um país com vastas reservas de petróleo e diamantes, mas onde mais de 50% da população vive com menos de 2 dólares por dia. Durante anos, os lucros do petróleo foram desviados para enriquecer uma minoria enquanto os serviços públicos desmoronavam. Segundo a ONG Global Witness, entre 2001 e 2010, cerca de 32 bilhões de dólares desapareceram dos cofres públicos, valor equivalente ao orçamento nacional de vários anos.

Empresas de fachada, contratos sem licitação, concessões manipuladas, parcerias públicas-privadas opacas e offshores têm sido usadas para ocultar o saque dos recursos. A luta contra a corrupção em Angola continua, mas enfrenta resistência feroz de estruturas enraizadas e protegidas.

República Democrática do Congo: minerais sob controle estrangeiro

A RDC, com seu subsolo rico em ouro, coltan, cobalto e diamantes, vive uma das formas mais complexas de corrupção: o saque legalizado. Multinacionais estrangeiras, em conluio com líderes locais, assinam contratos injustos, exploram as minas e deixam miséria e destruição ambiental para trás.

Documentos como os Panama Papers e os Congo Leaks revelaram que bilhões de dólares foram desviados por meio de empresas fantasmas. O caso da empresa Gécamines, por exemplo, revelou como centenas de milhões de dólares desapareceram em transações opacas com grupos estrangeiros.

Quénia e África do Sul: escândalos públicos, justiça seletiva

O Quénia tem enfrentado escândalos sucessivos que envolvem desde a compra de equipamentos médicos fantasmas até contratos milionários de infraestrutura que nunca foram executados. Em 2018, o governo estimou que mais de 100 bilhões de xelins quenianos (cerca de 1 bilhão de dólares) foram desviados em apenas um ano.

Na África do Sul, o caso “State Capture”, durante o governo de Jacob Zuma, revelou como a família Gupta, de empresários ligados ao poder, conseguiu controlar ministérios inteiros, influenciar nomeações e manipular contratos estatais. O relatório Zondo, fruto de anos de investigação, demonstrou o grau de podridão das instituições e a urgência de reformas profundas.

As raízes do problema

A corrupção em África é alimentada por múltiplos fatores:

Fraca institucionalidade: Parlamentos, tribunais e órgãos de fiscalização muitas vezes são cooptados ou intimidados.

Dependência econômica: A pressão de empresas multinacionais e instituições financeiras internacionais fragiliza a soberania política.

Cultura de impunidade: Poucos são julgados, e menos ainda são punidos.

Colonialismo interno: Elites locais se comportam como intermediários do poder estrangeiro, reproduzindo a lógica colonial.

Fuga de cérebros e medo: Jornalistas, ativistas e intelectuais são perseguidos ou obrigados ao silêncio.

Por uma nova ética africana

A luta contra a corrupção em África não pode ser apenas jurídica ela deve ser ética, espiritual, social e cultural. Precisamos de uma nova geração de líderes que vejam o Estado não como um espólio, mas como um instrumento de serviço público.

É urgente criar mecanismos de fiscalização populares, fortalecer a imprensa independente, proteger os denunciantes e formar uma juventude consciente, menos seduzida pelo luxo fácil e mais comprometida com a construção do bem comum.

A corrupção é o inimigo invisível da nossa libertação. E enquanto ela dominar o coração das nossas lideranças, continuaremos independentes apenas no hino e na bandeira, mas escravizados pela ganância e pelo silêncio cúmplice.

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