A palavra “corrupção” tornou-se habitual no vocabulário político e mediático de Angola. Mas, para além da retórica, o que temos combatido de forma real? Esta análise busca aprofundar o fenómeno da corrupção, as suas raízes, os mecanismos de resistência e os desafios concretos para uma verdadeira mudança no país.
Corrupção estrutural: uma herança de impunidade
A corrupção em Angola não é apenas um desvio moral, mas sim uma prática enraizada nas estruturas do Estado. Desde a independência, os recursos públicos foram, em muitos casos, apropriados por elites políticas e empresariais. O jornalista Rafael Marques, em sua obra “Diamantes de Sangue”, denuncia com provas o envolvimento de altos responsáveis militares e civis no saque de recursos minerais.
O que se perpetuou foi uma cultura de impunidade: ministérios tornaram-se fontes de enriquecimento, contratos públicos serviram a interesses privados, e a fiscalização tornou-se simbólica. Segundo o Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, Angola figurou por muitos anos entre os países mais corruptos do mundo.
A nova retórica e os seus limites
Com a transição de liderança em 2017, o país iniciou uma campanha pública contra a corrupção. Figuras mediáticas como Isabel dos Santos, considerada por anos a mulher mais rica de África, foram alvo de investigações. O caso “Luanda Leaks”, revelado pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ), expôs redes complexas de negócios e desvio de fundos estatais.
No entanto, apesar de alguns avanços, muitos observadores notam que o combate à corrupção tem sido seletivo. Críticos afirmam que se pune os inimigos políticos, enquanto se preserva aliados. O verdadeiro desafio reside em reformar os mecanismos institucionais e garantir autonomia ao sistema judicial.
A imprensa e o papel da denúncia responsável
A imprensa tem um papel crucial na vigilância do poder. Mas, em Angola, os jornalistas que investigam temas sensíveis ainda enfrentam censura, perseguições e pressões judiciais. É essencial que os profissionais da comunicação ajam com responsabilidade, ética e provas, para que a denúncia não se transforme em instrumento de manipulação.
Iniciativas como Maka Angola e outras plataformas de jornalismo independente têm resistido e contribuído para o esclarecimento público. No entanto, é urgente garantir condições legais e de segurança para que a liberdade de imprensa seja plena.
O povo como força de ruptura
A população angolana é a maior vítima da corrupção: sente na pele a falta de hospitais funcionais, escolas equipadas, transporte digno, e serviços públicos que não exijam suborno. A resistência começa quando o povo recusa ser cúmplice do sistema.
Exemplos africanos como o do Botswana, que construiu instituições sólidas e um serviço público mais íntegro, mostram que é possível uma governação diferente. Mas é preciso vontade política real e uma cidadania ativa.
Conclusão: mudança com coragem
Combater a corrupção exige mais do que discursos. Exige coragem para enfrentar estruturas de poder, garantir transparência, proteger denunciantes e educar a sociedade sobre a responsabilidade coletiva.
Enquanto a verdade for perseguida e a justiça manipulada, o país continuará refém do passado. Mas quando a coragem se ergue e a luz rompe o silêncio, nasce a possibilidade de um futuro melhor.